Temer, o vício da traição
A imprensa anuncia que o vice-presidente da República Michel Temer enviou um áudio de 15 minutos a parlamentares do PMDB, em que fala como se o impeachment já tivesse sido aprovado pela Câmara dos Deputados. Na voz, que funciona como um pré-discurso de posse na presidência, o vice afirma: "sabem todos os que me ouvem que, após a decisão do Senado Federal, eu preciso estar preparado para enfrentar os graves problemas que hoje afligem o nosso país".
A assessoria de Temer confirmou a veracidade do áudio e disse que o vice o enviou "por acidente" aos aliados. "Trata-se de um exercício que o vice estava fazendo em seu celular e que foi enviado acidentalmente para a bancada". Vazou feito em Mariana, por acidente, digamos.
Mas esses vazamentos propositais do vício, ou do vice, não são novos. No ano passado, o astro do cinema, com o seu físico do papel do conde drácula, enviou uma carta à presidenta Dilma Roussef, onde entre outras coisas falava:
"(Que)sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB... (Que) Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. (E) Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo... (Que) os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. (E) Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade... (E) Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição", etc. etc. etc.
Já ali, notamos que a carta dizia mais pelo que não explicitamente falava. Por exemplo, na desconfiança alegada, que Dilma teria em relação a ele, em boa interpretação significava apenas uma defesa prévia do autor, que procurava afastar de si a suspeita da traição e do golpe. Verdadeiro palimpsesto, as palavras no pergaminho que Temer havia raspado antes gritavam: "este governo pode ser meu, mas os motivos virão da sua desconfiança que alegarei. Eu não estou traindo a companheira de governo. O seu governo é que não é o meu. Mas vai ser". Daí que as primeiras perguntas do assalto ao espírito da gente ficavam sem resposta: Por que só depois de cinco anos Temer reclamava da desconfiança, da desatenção da qual seria vítima? Por que divulgou uma carta, que deveria ser pessoal, em toda mídia, no auge da crise do impeachment? Pelo tom geral, até parecia queixa magoada de amante de telenovela.
Depois, ao fim da reunião com a presidenta Dilma para explicar o inexplicável da carta, o nobre conde Temer teve a frieza de declarar: "Combinamos, eu e a presidenta, que teremos uma relação pessoal institucional e a mais fértil possível". Ou seja, segundo ele, não faria declaração pública de apoio ao governo, assim como não ia trabalhar a favor da destituição dela. Mentiu e traiu mais uma vez.
Esse nível de intriga palaciana, do vício que deseja o que não é seu, já foi assunto e trama em tragédias famosas, algumas de Shakespeare. Mas qual? Penso que não poderia ser Macbeth, nem tanto pela ausência das três bruxas, porque no processo de impeachment já temos até uma exorcista, nem mesmo por falta de uma cruel lady Macbeth, que encorajasse o nobre marido para o crime. Não. Penso que não caberia a tragédia Macbeth pela falta de grandeza do personagem do golpe da traição, que obedece a uma finalidade mais rasteira e mesquinha que os personagens de qualquer tragédia de Shakespeare.
Seria melhor, em lugar de uma tragédia, o gênio de Molière na comédia Tartufo. Acho que este é o que melhor se enquadra ao vício da república. Ele é Tartufo, o virtuoso hipócrita que desejava tomar a casa que o hospedara. Ou como ele de modo tão brilhante e cínico falou: "O escândalo do mundo é o que faz a ofensa. Pecar em silêncio não é pecar totalmente".
Agora, o conde Drácula volta em novos atos de Tartufo. É a reencarnação daquela luminosa sacada de Marx: "a história acontece primeiro como tragédia, depois como farsa". Michel Temer não pode ser grande como Macbeth. É apenas traidor, um Tartufo trapalhão.
Jampa Web Jornal
Fonte: Brasil 247/Urariano Mota
A assessoria de Temer confirmou a veracidade do áudio e disse que o vice o enviou "por acidente" aos aliados. "Trata-se de um exercício que o vice estava fazendo em seu celular e que foi enviado acidentalmente para a bancada". Vazou feito em Mariana, por acidente, digamos.
Mas esses vazamentos propositais do vício, ou do vice, não são novos. No ano passado, o astro do cinema, com o seu físico do papel do conde drácula, enviou uma carta à presidenta Dilma Roussef, onde entre outras coisas falava:
"(Que)sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB... (Que) Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. (E) Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo... (Que) os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. (E) Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade... (E) Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição", etc. etc. etc.
Já ali, notamos que a carta dizia mais pelo que não explicitamente falava. Por exemplo, na desconfiança alegada, que Dilma teria em relação a ele, em boa interpretação significava apenas uma defesa prévia do autor, que procurava afastar de si a suspeita da traição e do golpe. Verdadeiro palimpsesto, as palavras no pergaminho que Temer havia raspado antes gritavam: "este governo pode ser meu, mas os motivos virão da sua desconfiança que alegarei. Eu não estou traindo a companheira de governo. O seu governo é que não é o meu. Mas vai ser". Daí que as primeiras perguntas do assalto ao espírito da gente ficavam sem resposta: Por que só depois de cinco anos Temer reclamava da desconfiança, da desatenção da qual seria vítima? Por que divulgou uma carta, que deveria ser pessoal, em toda mídia, no auge da crise do impeachment? Pelo tom geral, até parecia queixa magoada de amante de telenovela.
Depois, ao fim da reunião com a presidenta Dilma para explicar o inexplicável da carta, o nobre conde Temer teve a frieza de declarar: "Combinamos, eu e a presidenta, que teremos uma relação pessoal institucional e a mais fértil possível". Ou seja, segundo ele, não faria declaração pública de apoio ao governo, assim como não ia trabalhar a favor da destituição dela. Mentiu e traiu mais uma vez.
Esse nível de intriga palaciana, do vício que deseja o que não é seu, já foi assunto e trama em tragédias famosas, algumas de Shakespeare. Mas qual? Penso que não poderia ser Macbeth, nem tanto pela ausência das três bruxas, porque no processo de impeachment já temos até uma exorcista, nem mesmo por falta de uma cruel lady Macbeth, que encorajasse o nobre marido para o crime. Não. Penso que não caberia a tragédia Macbeth pela falta de grandeza do personagem do golpe da traição, que obedece a uma finalidade mais rasteira e mesquinha que os personagens de qualquer tragédia de Shakespeare.
Seria melhor, em lugar de uma tragédia, o gênio de Molière na comédia Tartufo. Acho que este é o que melhor se enquadra ao vício da república. Ele é Tartufo, o virtuoso hipócrita que desejava tomar a casa que o hospedara. Ou como ele de modo tão brilhante e cínico falou: "O escândalo do mundo é o que faz a ofensa. Pecar em silêncio não é pecar totalmente".
Agora, o conde Drácula volta em novos atos de Tartufo. É a reencarnação daquela luminosa sacada de Marx: "a história acontece primeiro como tragédia, depois como farsa". Michel Temer não pode ser grande como Macbeth. É apenas traidor, um Tartufo trapalhão.
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Fonte: Brasil 247/Urariano Mota
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