MOMENTO GOURMET: A ciência da batatinha frita perfeita
A melhor batatatinha frita do mundo é aquela que consegue ser crocante por fora e macia e quentinha por dentro – algo que só é possível quando as batatas são colocadas em uma bela panela de óleo quente. Mas como a mágica acontece? E será que cientistas podem encontrar maneiras de melhorar essa deliciosa invenção?
A fritura já foi descrita como “um modo de cozimento bastante violento”. E a afirmação está perfeitamente correta: em contato com o óleo, a umidade na superfície da batata (ou de qualquer outro alimento) evapora imediatamente, produzindo jatos de vapor que fazem o óleo respingar.
O exterior da batata agora está seco e “mumificado” em uma crosta dura. Dentro dessa casca, a temperatura dispara e o vapor de água que não consegue atingir a superfície a tempo. Preso, ele cozinha o interior da batata, dando a ela a maciez que contrasta tão bem com o crocante do lado de fora.
Por ser rica em amidos, a batata não precisa ser empanada para a fritura
Esse processo de evaporação é o que justifica o fato de muitos alimentos fritos em óleo serem empanados, como peixes, o frango e salgadinhos, por exemplo. Para eles serem bem cozidos, é preciso que uma crosta se forme instantaneamente, senão o vapor vai continuar a vazar para fora, umedecendo a parte externa e ressecando o interior. Ao mesmo tempo, mais óleo é absorvido, tornando a comida pesada e empapada.
A maioria dos alimentos não consegue formar uma crosta sólida tão rapidamente, mas uma camada rica em amidos pode. E quando mais as moléculas de amido se grudam umas nas outras, em um processo chamado reticulação, mais água é expelida e mais crocante a comida fica.
Além disso, o amido tem o potencial de passar por reações químicas que garantem um tom dourado e caramelado, que dão o sabor levemente adocicado aos alimentos bem fritos.
A batata frita, obviamente, não é empanada: ela não precisa disso porque a batata é naturalmente rica em amidos. A variedade conhecida como russet é tida como a melhor para a fritura, pois é a que mais contém amidos e é mais densa, o que evita que o óleo penetre nela muito profundamente.
Laboratório da batata
O chef Heston Blumenthal é famoso por fazer experiências científicas na cozinha
Na busca pela batata frita perfeita, tudo o que ocorre depois da escolha do melhor ingrediente será resultado da boa afinação do processo de formação da crosta e da evaporação.
A maioria dos cozinheiros e engenheiros de alimentos concorda que as melhores batatas fritas precisam ser fritas duas vezes: a primeira a uma temperatura relativamente baixa e, depois, em óleo bem quente – quando a crosta se forma.
Mas dupla fritura não é um padrão: no McDonald’s, por exemplo, as batatas já cortadas são rapidamente jogadas em água fervente e depois congeladas, para serem fritas conforme a demanda.
Há uma teoria de que a dupla fritura ajuda a garantir que o miolo seja totalmente cozido. Mas o cozinheiro, experimentador e escritor americano J. Kenji Lopez-Alt, autor do blog The Food Lab, discorda. Ele conta ter realizado algumas experiências e descobriu que batatas cozidas em água fervente e depois fritas não ficam quebradiças.
O mesmo valeu para as batatas cozidas em micro-ondas antes da fritura.
Lopez-Alt também descobriu que o óleo da primeira fritura modifica a estrutura externa da batata. A umidade é perdida e os amidos, liberados pelo calor do óleo, se unem ao que resta de água para formar um gel.
Esse gel transborda e enrijece as pontas da batata. Quando o segundo óleo quente atinge o alimento, ele é levado a formar uma casca mais grossa e a evaporar o que sobrou da umidade. Já a água fervente não consegue chegar a uma temperatura quente o suficiente para permitir a formação do gel.
Preciosidades de chef
Já o famoso chef britânico Heston Blumenthal, do estrelado restaurante The Fat Duck, em Berkshire, criou uma receita em que a batata é cozida três vezes.
A primeira etapa é uma leve fervura, seguida por um tempinho em uma câmara a vácuo para retirar qualquer traço de água.
A segunda fase é fritar as batatas a uma temperatura relativamente baixa, e a terceira é a farra do óleo fervente, que forma a crosta.
A batata frita que sai disso está tão sequinha que tem uma textura quase vítrea, com um interior macio. E isso faz delas as melhores do planeta, segundo vários críticos.
Precisão científica
Direito de imagemGETTY
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Batata frita ideal precisaria de gravidade equivalente à de Júpiter
Outro experimentador em matéria de batata frita é Nathan Myhrvold, ex-diretor de tecnologia da Microsoft e autor do livro de receitas Modernist Cuisine.
Ele enfrentou vários níveis de dificuldade com sua receita para “batatas fritas ultrassônicas”. Não se trata de algo fácil de repetir em casa, mas o resultado aparentemente traz uma textura “imensamente satisfatória na casca” antes de se chegar a “um miolo incrivelmente macio, com a consistência de purê”, em um processo que, segundo ele, um dia será automatizado por algum fabricante de alimentos.
O vácuo da receita sela as batatas em uma solução de água e sal a 2%, antes de atingi-las com ondas de ultrassom vindas dos mesmos aparelhos usados por dentistas, o que racha e “machuca” cada fatia de batata com pequenas bolhas e fissuras.
Em seguida, a batata é seca a vácuo, para ajustar o conteúdo de água do exterior, e a seguir, rapidamente embebida em óleo a 170º C para estreitar a rede de moléculas de amido.
Depois de resfriadas, elas são fritas por alguns minutos no óleo quente, a 190º C. A ideia aqui é fazer a água evaporar dentro da cada minúscula bolha na superfície da batata, o que faz com que elas estourem.
Batatas em Júpiter
A Terra pode não ser necessariamente o melhor lugar do Universo para fritar batatas.
Há algumas anos, os químicos John Lioumbas e Theodoris Karapantsios, da Universidade Aristóteles em Salônica, na Grécia, usaram uma centrifugadora na Holanda para mostrar que as batatas ficam melhores se forem fritas em um lugar com uma gravidade três vezes maior do que a da Terra – mais ou menos as mesmas condições que você encontraria se pudesse morar em Júpiter.
O motivo é que o vapor de água produzido dentro da batata enquanto ela cozinha se comporta de maneira diferente dependendo da força da gravidade: a uma gravidade como a de Júpiter, a água escoa em porções menores que aceleram a transferência de calor do óleo para a batata, contribuindo para uma casca perfeitamente espessa e crocante.
Blumenthal, famoso por usar aparelhos científicos na cozinha, pode talvez pensar em incorporar essas centrífugas a sua receita no futuro.
Tudo isso mostra que o segredo para a batata frita perfeita, seja fritando duas ou três vezes, na Terra ou no espaço, é tirar a umidade do alimento na velocidade certa. A partir daí, a dança mágica entre o crocante e o macio tem a chance de desenvolver seu ritmo perfeito.
Jampa Web Jornal
Fonte:Veronique Greenwood/BBC/Future/Redação/Jorge Correia
A fritura já foi descrita como “um modo de cozimento bastante violento”. E a afirmação está perfeitamente correta: em contato com o óleo, a umidade na superfície da batata (ou de qualquer outro alimento) evapora imediatamente, produzindo jatos de vapor que fazem o óleo respingar.
O exterior da batata agora está seco e “mumificado” em uma crosta dura. Dentro dessa casca, a temperatura dispara e o vapor de água que não consegue atingir a superfície a tempo. Preso, ele cozinha o interior da batata, dando a ela a maciez que contrasta tão bem com o crocante do lado de fora.
Esse processo de evaporação é o que justifica o fato de muitos alimentos fritos em óleo serem empanados, como peixes, o frango e salgadinhos, por exemplo. Para eles serem bem cozidos, é preciso que uma crosta se forme instantaneamente, senão o vapor vai continuar a vazar para fora, umedecendo a parte externa e ressecando o interior. Ao mesmo tempo, mais óleo é absorvido, tornando a comida pesada e empapada.
A maioria dos alimentos não consegue formar uma crosta sólida tão rapidamente, mas uma camada rica em amidos pode. E quando mais as moléculas de amido se grudam umas nas outras, em um processo chamado reticulação, mais água é expelida e mais crocante a comida fica.
Além disso, o amido tem o potencial de passar por reações químicas que garantem um tom dourado e caramelado, que dão o sabor levemente adocicado aos alimentos bem fritos.
A batata frita, obviamente, não é empanada: ela não precisa disso porque a batata é naturalmente rica em amidos. A variedade conhecida como russet é tida como a melhor para a fritura, pois é a que mais contém amidos e é mais densa, o que evita que o óleo penetre nela muito profundamente.
Laboratório da batata
Na busca pela batata frita perfeita, tudo o que ocorre depois da escolha do melhor ingrediente será resultado da boa afinação do processo de formação da crosta e da evaporação.
A maioria dos cozinheiros e engenheiros de alimentos concorda que as melhores batatas fritas precisam ser fritas duas vezes: a primeira a uma temperatura relativamente baixa e, depois, em óleo bem quente – quando a crosta se forma.
Mas dupla fritura não é um padrão: no McDonald’s, por exemplo, as batatas já cortadas são rapidamente jogadas em água fervente e depois congeladas, para serem fritas conforme a demanda.
Há uma teoria de que a dupla fritura ajuda a garantir que o miolo seja totalmente cozido. Mas o cozinheiro, experimentador e escritor americano J. Kenji Lopez-Alt, autor do blog The Food Lab, discorda. Ele conta ter realizado algumas experiências e descobriu que batatas cozidas em água fervente e depois fritas não ficam quebradiças.
O mesmo valeu para as batatas cozidas em micro-ondas antes da fritura.
Lopez-Alt também descobriu que o óleo da primeira fritura modifica a estrutura externa da batata. A umidade é perdida e os amidos, liberados pelo calor do óleo, se unem ao que resta de água para formar um gel.
Esse gel transborda e enrijece as pontas da batata. Quando o segundo óleo quente atinge o alimento, ele é levado a formar uma casca mais grossa e a evaporar o que sobrou da umidade. Já a água fervente não consegue chegar a uma temperatura quente o suficiente para permitir a formação do gel.
Preciosidades de chef
Já o famoso chef britânico Heston Blumenthal, do estrelado restaurante The Fat Duck, em Berkshire, criou uma receita em que a batata é cozida três vezes.
A primeira etapa é uma leve fervura, seguida por um tempinho em uma câmara a vácuo para retirar qualquer traço de água.
A segunda fase é fritar as batatas a uma temperatura relativamente baixa, e a terceira é a farra do óleo fervente, que forma a crosta.
A batata frita que sai disso está tão sequinha que tem uma textura quase vítrea, com um interior macio. E isso faz delas as melhores do planeta, segundo vários críticos.
Precisão científica
Direito de imagemGETTY
Image caption
Batata frita ideal precisaria de gravidade equivalente à de Júpiter
Outro experimentador em matéria de batata frita é Nathan Myhrvold, ex-diretor de tecnologia da Microsoft e autor do livro de receitas Modernist Cuisine.
Ele enfrentou vários níveis de dificuldade com sua receita para “batatas fritas ultrassônicas”. Não se trata de algo fácil de repetir em casa, mas o resultado aparentemente traz uma textura “imensamente satisfatória na casca” antes de se chegar a “um miolo incrivelmente macio, com a consistência de purê”, em um processo que, segundo ele, um dia será automatizado por algum fabricante de alimentos.
O vácuo da receita sela as batatas em uma solução de água e sal a 2%, antes de atingi-las com ondas de ultrassom vindas dos mesmos aparelhos usados por dentistas, o que racha e “machuca” cada fatia de batata com pequenas bolhas e fissuras.
Em seguida, a batata é seca a vácuo, para ajustar o conteúdo de água do exterior, e a seguir, rapidamente embebida em óleo a 170º C para estreitar a rede de moléculas de amido.
Depois de resfriadas, elas são fritas por alguns minutos no óleo quente, a 190º C. A ideia aqui é fazer a água evaporar dentro da cada minúscula bolha na superfície da batata, o que faz com que elas estourem.
Batatas em Júpiter
A Terra pode não ser necessariamente o melhor lugar do Universo para fritar batatas.
Há algumas anos, os químicos John Lioumbas e Theodoris Karapantsios, da Universidade Aristóteles em Salônica, na Grécia, usaram uma centrifugadora na Holanda para mostrar que as batatas ficam melhores se forem fritas em um lugar com uma gravidade três vezes maior do que a da Terra – mais ou menos as mesmas condições que você encontraria se pudesse morar em Júpiter.
O motivo é que o vapor de água produzido dentro da batata enquanto ela cozinha se comporta de maneira diferente dependendo da força da gravidade: a uma gravidade como a de Júpiter, a água escoa em porções menores que aceleram a transferência de calor do óleo para a batata, contribuindo para uma casca perfeitamente espessa e crocante.
Blumenthal, famoso por usar aparelhos científicos na cozinha, pode talvez pensar em incorporar essas centrífugas a sua receita no futuro.
Tudo isso mostra que o segredo para a batata frita perfeita, seja fritando duas ou três vezes, na Terra ou no espaço, é tirar a umidade do alimento na velocidade certa. A partir daí, a dança mágica entre o crocante e o macio tem a chance de desenvolver seu ritmo perfeito.
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Fonte:Veronique Greenwood/BBC/Future/Redação/Jorge Correia
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