O que o golpe e a ditadura representaram para o Brasil?
O Brasil vinha de três décadas de construção de um projeto nacional de desenvolvimento com distribuição de renda e de menos de duas décadas de democratização política, quando o golpe militar de 1964 rompeu com essas duas vertentes e instalou uma ditadura militar e um modelo econômico de superexploração do trabalho, de concentração de renda, de consumo de luxo e de exportação.
Foi um movimento promovido pelo grande empresariado, pelo governo dos Estados Unidos, pela mídia nacional e internacional, com o apoio da Igreja católica. Em nome de uma suposta salvação da democracia que estaria em perigo – as marchas se chamavam Marcha com Deus, pela Familia e pela Liberdade -, instauraram a mais brutal ditadura que o Brasil já viveu.
Foi uma virada radical na história brasileira. Interrompeu-se bruscamente a construção democrática e a de um projeto nacional e popular iniciado como Getúlio em 1930. Ao lado da repressão a tudo que lhes parecia democrático – partidos populares, sindicatos, mídia, universidades, Congresso, Judiciário, entre outros -, decretou-se de imediato o arrocho salarial. Porque não foi apenas uma ditadura política contra a democracia, foi também uma ditadura do grande capital contra a classe trabalhadora.
Todos os sindicatos tiveram intervenção militar, aboliram-se as campanhas salariais, decretando-se assim uma lua-de-mel para as grandes empresas nacionais e estrangeiras, que tiveram o maior processo de acumulação concentrada de capital da história do Brasil em poucos anos. O arrocho salarial foi o santo do chamado “milagre econômico”.
Saiu-se de um modelo industrializador com distribuição de renda, para um modelo baseado na superexploração do trabalho, no consumo de luxo e na exportação, com atração do capital internacional. A partir daquele momento, a desigualdade social, que historicamente caracterizava o Brasil, se acentuou como nunca.
O arrocho recaiu também sobre os funcionários, públicos, deteriorando a qualidade dos serviços públicos. Vem daquele momento a passagem maciça da classe média da escola pública para a escola privada, assim como a extensão dos planos privados de saúde, em detrimento dos programas de saúde publica.
O golpe e a ditadura representaram assim uma guinada radical da história brasileira na direção da ditadura e de um modelo econômico concentrador de renda. A repressão não se fez só contra a democracia, mas também contra a classe trabalhadora, permitindo o enriquecimento radical do grande empresariado nacional e estrangeiro.
Foram destruídas as organizações populares, a imprensa democrática, os espaços educacionais autônomos, foi difundida uma ideologia de “segurança nacional”, de caráter totalitário, as informações foram censuradas e a sociedade não sabia o que estava acontecendo no pais. A repressão dizimou toda uma geração de jovens militantes, presos, torturados, executados.
O Brasil nunca mais foi o mesmo desde então. A imagem do pais cordial, simpático, revelou que por trás disso havia uma hidra preparada para aprisionar o pais num regime de terror. Brasileiros foram capazes de cometer as mais atrozes formas de tortura contra outros brasileiros, em nome de uma ideologia de militarização do Estado e de extermínio de tudo o que pudesse ser obstáculo para seus objetivos.
O Brasil saiu da ditadura machucado, ferido, ofendido, humilhado, impotente até para punir os assassinos da democracia e da dignidade nacional, pela anistia imposta pelos próprios torturadores. A democratização do pais foi um processo parcial, truncado, unilateral. O poder econômico, midiático, protagonista da ditadura, sobreviveu na democracia.
Consolidar a democracia no Brasil hoje significa quebrar a hegemonia do grande capital especulativo sobre a nossa economia, dos monopólios privados sobre a formação da opinião pública, do financiamento privado sobre o processo eleitoral, do agronegócio sobre a agricultura brasileira. E construir definitivamente uma consciência democrática irreversível no pais, que impeça que aquela hidra assuste de novo ao Brasil.
Representantes dos movimentos sociais protestaram nesta quarta (1), em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra a paralisia do julgamento sobre a constitucionalidade do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, apontado como principal cerne da corrupção na política. Com o lema “Para acabar com a corrupção, tire o dinheiro da eleição!”, os manifestantes reivindicaram a retomada imediata do julgamento e fizeram um “escracho” do responsável pela sua suspensão, o ministro Gilmar Mendes.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o financiamento empresarial das campanhas eleitorais foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e conta com o apoio das principais entidades de classe, movimentos sociais, centrais sindicais e partidos de esquerda do país, justamente porque dialoga com a principal reivindicação da sociedade organizada para a reforma política: instituir o financiamento público das campanhas e, assim, diminuir o poder do dinheiro na democracia brasileira.
No dia 2 de abril de 2014, o julgamento da Adin já contava com maioria de votos favoráveis, de seis dos 11 ministros da corte, quando Mendes pediu vistas do processo, alegando não ter informações suficientes para embasar sua tomada de decisão. Com isso, o julgamento foi suspenso e, passado um ano, o ministro ainda não se pronunciou sobre o tema que, há pelo menos uma década, está continuamente em pauta na agenda pública brasileira.
A OAB ingressou com a ação na corte em 2011, ou seja, há quatro anos, o que garante prazo suficiente para que os ministros se debrucem sobre o tema. Além disso, em 12 de dezembro de 2013, quando o julgamento foi iniciado e os primeiros quatro votos favoráveis foram proferidos, o ministro Teori Zawascki, novo na corte, entrou com um pedido de vistas, o que proporcionou mais tempo para que os ministros firmassem suas posições. A desculpa de Mendes, portanto, não convenceu ninguém.
Para fazer o contraponto, os movimentos lançaram, principalmente via internet, a campanha “Devolve, Gilmar”. Uma das avaliações é que, se não fosse por Mendes, as eleições de 2014 já poderiam ter seguido um novo modelo de financiamento, o que evitaria que o poder econômico conseguisse eleger seus representantes para a maior parte das vagas do parlamento, já considerado o mais conservador das últimas décadas.
Dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) apontam que, na Câmara, 217 deputados pertencem à bancada empresarial e 153 à ruralista, contra apenas 51 na sindical. A situação é ainda mais grave quando se considera a questão de gênero. Embora maioria na composição da população brasileira, as mulheres ocupam apenas 50 das 513 vagas da chamada ‘casa do povo’.
No protesto, Wilma dos Reis, da Marcha Mundial de Mulheres, defendeu a maior participação de mulheres no parlamento, especialmente de mulheres que tenham compromisso com a questão de gênero, e não daquelas que ingressam na política apenas para representar os interesses dos maridos empresários. "Da forma como está, os direitos e as vozes das mulheres são calados por um congresso ainda mais conservador”, disse.
Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento Sem Terra (MST), ressaltou a importância da conclusão do julgamento. "O conluio entre empresas e parlamentares para continuar esse processo que acaba com a participação popular de forma justa nas eleições e na composição do congresso tem que acabar. Gilmar tem que fazer justiça, motivo para o qual foi para o STF, e não apoiar estes lobbys do congresso", afirmou.
Jampa Web Jornal
Por: Emir Sader/Copyleft
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