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Cannabis Sativa - Um tema e duas visões: liberação da maconha


O combate ao tráfico de drogas não tem surtido o efeito desejado. Legalizar o comércio da maconha seria uma forma de enfrentar os traficantes? Ou manter a proibição resolve? A liberação da maconha é a solução?

"ESTÍMULO A OUTRAS DROGAS"

A maconha, cannabis sativa, é a droga ilícita mais consumida no Brasil que, sem dúvida, provoca dependência. Existem no país cerca de 15 milhões de dependentes químicos; para cada um desses doentes são afetados, em média, quatro familiares. Portanto, somam quase 60 milhões os brasileiros atingidos, mais ou menos gravemente, pelo uso de drogas.

As consequências são a vida desorganizada e destroçada de muitos jovens, famílias angustiadas, diminuição da capacidade de trabalho, doenças e o alto custo econômico para a sociedade inteira. O uso da cannabis não se detém nela, mas é passo para o consumo de drogas mais pesadas e perniciosas.

É bom que se observe que a maconha usada hoje é muito mais potente do que a consumida há algumas décadas. A concentração de THC, que era de 0,5%, hoje é de 5%. Existem novas formas de oferta do produto, cuja concentração chega a mais de 25%, como o skank. Portanto, a venda legal da maconha, mais ainda que o seu comércio proibido, estimularia a produção de novas formas dessa droga, mais potentes e lesivas, e o Brasil não está preparado para a legalização das drogas.

A população deve refletir se o sistema público de saúde conseguirá lidar com o aumento do consumo de maconha entre os jovens.

Os efeitos mais danosos são observados no trato respiratório. A fumaça da maconha tem os mesmos níveis de alcatrão da fumaça do tabaco: 50% mais agentes cancerígenos que o cigarro comum. Por ter ação bronco-dilatadora, age melhorando sintomas da asma, mas aumenta a vulnerabilidade da árvore respiratória permitindo que agentes tóxicos se instalem mais profundamente no pulmão provocando enfisema e câncer.

O uso prolongado da maconha compromete o sistema imune, cardiovascular e funções reprodutivas. Tem consequências psicológicas e cognitivas, interfere na atenção e na memória, no desempenho acadêmico, na capacidade de guiar veículos, entre outros efeitos prejudiciais. Sabe-se que o agente químico ativo da maconha, o delta9 THC, age no sistema nervoso central antecipando o início da esquizofrenia e de outras formas de psicoses agudas e crônicas. Estas teses estão amplamente demonstradas cientificamente nacional e internacionalmente.

 É fato que um dos componentes da maconha, o canabidiol, pode ser usado terapeuticamente. Tomar o canabidiol, obtido da maconha, como medicamento é algo completamente diferente de fumar maconha. Nenhuma organização médica no mundo recomenda fumar maconha como medicamento. Confundir uma coisa com outra seria como vender veneno de cobra em vez de soro antiofídico, como já foi dito. É também fundamental ressaltar que ser contra a legalização da maconha não significa defender a prisão dos usuários.

"O FIM DA GUERRA"

Thiago Fabres de Carvalho e Salo de Carvalho  - São, respectivamente, doutor em Direito, professor da FDV e da Ufes; advogado, pós-doutor em Direito e professor da UFRJ

Nunca houve, na história da humanidade, uma sociedade livre de drogas. A novidade histórica, porém, é a proibição de determinadas drogas em detrimento de outras, independentemente do dano real ou potencial que provocam. A criminalização é, acima de tudo, uma opção política.

Os homens desde sempre se relacionaram com substâncias alteradoras do seu estado de consciência, pelas mais diversas razões. A primeira delas, e provavelmente a mais importante, por razões alimentares. Embora nem todas as drogas sejam alimentos, muito alimentos também são drogas: café, açúcar, bebidas alcoólicas, etc.

Além disso, outras razões justificaram historicamente o uso de drogas: sociais, culturais, festivas, medicinais, terapêuticas, religiosas.

Por isso, um mundo livre das drogas é uma utopia irrealizável, embora tenha orientado, nas últimas, décadas o modelo da guerra. A conjugação de fatores sociais, econômicos e políticos, justificados por discursos morais, médicos, jurídicos e militares produziu umas das formas mais catastróficas de abordar e oferecer respostas satisfatórias aos possíveis usos abusivos dessas substâncias.

No início do Século XX, nos EUA, emerge o discurso proibicionista, com seu arsenal de mentiras e preconceitos, no entanto, muito adequado à defesa de interesses de grupos econômicos e políticos. A perseguição implacável de determinadas substâncias sempre esteve associada ao controle de grupos sociais marginalizados, considerados incômodos ou perigosos pelos governos. O álcool estava associado aos imigrantes europeus, sobretudo italianos e irlandeses; a maconha, aos mexicanos; o ópio, aos chineses; a cocaínas, aos negros.

Não se tratava, portanto, de controlar substâncias pelo seus potenciais efeitos à saúde individual e coletiva. Tratava-se, em realidade, de utilizar a proibição de determinadas drogas para controlar grupos sociais considerados nocivos à ordem dominante, sobretudo nos governos de Nixon e Reagan, momento no qual eclodem movimentos de contestação política.

No Brasil, a recepção do modelo bélico se dá no auge da ditadura civil-militar em 1976. O efeito da proibição é a produção de uma guerra social insana, responsável pelo encarceramento em massa e pelo extermínio, sobretudo da juventude negra e pobre das periferias das grandes metrópoles.

A opção política pela legalização procura colocar um fim à guerra e permitir um controle estatal das substâncias nocivas ao invés relegá-las à anarquia da disputa por este mercado multimilionário que alimenta a violência e a corrupção de todas as esferas do Estado.

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Fonte:Dr. João Chequer Bou-Habib/Redação-JWJ/Foto: Matias Maxx

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